sexta-feira, 3 de julho de 2009

Tal qual peixe de feira


E todo mundo procurava entender a gritaria que vinha do quarto trancado a sete chaves. O barulho das janelas que trincavam e se partiam em mil pedacinhos, ninguém entendia o porquê. O dia era cinza, desses em que se espera chuva ou filmes da tarde que façam chorar. Dava-se para ouvir o tilintar das folhas que se arrastavam na calçada, e lá dentro do quarto estavam as duas. Ambas gritavam em bom e alto som, competiam na voz embora soubessem que apenas a mais velha tinha razão, e não era eu. Eu nunca consigo me meter em encrencas fáceis de serem desfeitas, desde a infância era assim, mas dessa vez aquela mulher me fazia sentir como um peixe enrolado nos classificados de um jornal velho, sempre que me lançava um olhar perturbador e cheio de um sentimento que eu não sabia discernir. E então ela chorou como nunca antes havia chorado e esfregou os olhos com os nós dos dedos. Estava inconsolável e não media as palavras. Ela falava, ou melhor, jogava as palavras como um comerciante que varre a poeira de sua loja. Eu sabia, estava encrencada. Não adiantava quebrar as janelas, os copos, o pescoço. O jeito era encarar os fatos e amadurecer de uma vez por todas.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Vermelho

As flores dela murcham em minhas mãos e as pétalas antecipadamente vão caindo, forrando o chão que antes estava abatido. E logo lá vem ela sem prumo num desoriento tremendo, tropeçando nas flores estendidas pelo caminho. E cá estamos escondidos, voltando ao início da história, realinhando relógios e atrasando as horas como se não existisse um relógio escape por entre as ruas da vida.

Eu digo em voz alta: - Quem bate na porta?Quem está me passando medo?

Pena que o disfarce dura em sim poucos segundos de vida, logo as pernas já estão bambas e a face molhada pelo suor e os terrores noturnos. É eu não posso me enganar. Que me atrasem as horas também, que risquem as cartas e testamentos, que apaguem a memória da dama de vermelho por que por mim, deixe-me viver até perder a contagem das primaveras.