sábado, 7 de março de 2009

A confissão


Eu preciso confessar uma coisa, eu sempre tive medo de confessionários. Contarei a minha história: Não é preciso dizer que eu não nasci numa família católica, mas em geral as pessoas (leia-se minha avó) faziam parecer tão necessárias essas confissões que durante um longo período de tempo eu acreditei que só os padres (calvos) me concederiam o perdão. Quando completei 15 anos eu decidi que iria a um confessionário pra que pudesse arrancar de mim um peso de consciência. Entrei numa paróquia que se encontrava no centro da cidade e fui até o fim, tremendo e suando frio. Eu não me dou bem com armários e ninguém tinha me avisado que o lugar onde eu e o padre respectivamente ficaríamos a conversar se parecia com um e, portanto eu claustrofóbica e arrependida já tinha começado as confissões. Pela janela eu comecei: - Padre!Padre!Eu preciso falar com o senhor. – desembestei logo. –Diga minha querida. - ele respondeu. –Falarei do início e espero que o senhor não se surpreenda. Eu nunca usei nenhuma droga sabe, também nunca coloquei álcool na minha boca (acho meio nojento), mas de uns tempos pra cá eu ando agindo como se estivesse um pouco chapada. Começou numa tarde de primavera, o garoto se sentou no banco ao meu lado e começamos a conversar. Nicolas era de fato uma boa pessoa, combinamos de nos encontrar novamente no dia seguinte para tomarmos um sorvete. O tempo passou e nos tornamos bons amigos só que isso não durou muito, eu acabei me apaixonando (como toda pré-adolescente). O problema nem foi esse, marquei de apresentá-lo a minha mãe, eu tinha esperanças de namorar aquele garoto legal e que sempre vencia os campeonatos de arroto se não fosse por um detalhe, Nicolas era fruto da minha fértil imaginação. Decepcionei-me aos montes quando eu tentava mostrá-lo às minhas amigas de escola e ele nunca aparecia, ora apenas eu conseguia vê-lo. Então ficou provado que Nicolas era meu amigo imaginário ou pior, era meu amante imaginário. Os amantes não pararam por aí. Na sexta série (já tinha me recuperado de Nicolas) eu me apaixonei perdidamente pelo Guilherme que sentava à minha frente e pra dizer a verdade achava que ele também gostava de mim. Então um dia a professora de matemática marcou um trabalho em dupla e nós formamos uma. Marcamos o trabalho na casa dele, a mãe dele faria um bolo e a gente ia tomar refresco até o fim do dia (que romântico não é?), eu esperei que ele dissesse alguma coisa além daquele olhar de menino que programa afogar um sapo no vaso sanitário. Bem, faltando vinte minutos pra hora em que o meu pai iria me buscar Guilherme confessou: --Naty, eu sou gay. Levei um choque daqueles. Caramba!Todo cara que eu me apaixono dá errado padre. - disse eu um pouco desiludida. Foi então que eu jurei pra Deus que não me apaixonaria de novo, daí pra preencher o vazio eu me empenhei nos estudos, fui uma das melhores alunas na sétima série, na oitava e por fim quando cheguei ao primeiro ano do ensino médio o problema voltou... Eu estava gamadona no meu professor de Educação física. Os problemas não se mantiveram apenas às áreas sentimentais, logo eu me meti em outras encrencas principalmente relacionadas ao colégio. Tranquei professores nos banheiros, campeonatos de cuspe da janela, pasta de dente nas cadeiras, estrago de câmeras que vigiavam as salas, pegação nos banheiros e enfim o senhor sabe coisas de uma pré-adolescente normal- disse eu pro velho calvo que se encontrava do outro lado da janelinha.

Ah!E pra ressalvar o Senhor é bem gatinho- disse rapidamente e saí correndo.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Frontal com fanta.


Eu não me lembro muito bem se tinha 13 ou 14 anos na primeira vez em que fiquei invisível. Eu acho que tinha 14, estava frio, devia ser inverno e eu faço aniversário no verão. Também podia ser no inverno antes de eu fazer 14, mas eu acho que não, porque a minha irmã já estava usando aparelho e estes dias eu perguntei e ela tem certeza que tinha dez anos quando começou a usar. É muito provável que eu já tivesse ficado invisível muitas vezes antes, tenho certeza que sim. Quando a minha mãe e o meu pai discutiam, quando ele gritou que ela é que quis ter filho e agora não gosta de ficar com as crianças e só quer viajar, quando ela bebia e andava quase nua pela casa, quando o meu irmão punha a mão nos peitos da namorada, quando o meu pai mudava a televisão de canal pouco antes do fim do filme que eu estava assistindo havia mais de uma hora, é claro que eu estava invisível, só que não percebia.

Eu estava na escola na primeira vez que percebi que estava invisível. O professor mandou todo mundo se apressar para o passeio. Eu demorei a me levantar juntando as coisas, todos saíram e o professor olhou para a sala, olhou na minha direção, apagou a luz, saiu e fechou a porta. Talvez eu tenha ficado invisível para não ir naquele passeio, não queria passar o dia vendo as meninas mais lindas me virando a cara, e todos aqueles meninos idiotas gritando e correndo e se batendo. Fiquei algum tempo parado, peguei minhas coisas e saí da sala. Caminhei pelo corredor, cruzei com alguns alunos, olhei bem para eles e eles não me viram. Saí do colégio e caminhei seis quadras até a minha casa, passando por muitas pessoas que não me viram. Entrei em casa sem ser visto, fui para o meu quarto.

Saí do quarto e minha mãe estava jantando, com minha irmã. Meu irmão mais velho vai chegar no próximo fim de semana e elas querem arrumar a casa. Ele vem com a namorada e vai dormir no meu quarto, eu vou dormir com a minha irmã, no chão do quarto dela. Elas falaram todo o tempo, decidindo o que ia acontecer comigo, sem me ver. Comi frango com arroz e legumes e fui ao banheiro. Abri o armário dos remédios, peguei um remédio da minha mãe, frontal. Li a bula. "Componente ativo: alprazolam. Indicado no tratamento de estados de ansiedade. Seu mecanismo de ação exato é desconhecido." Talvez fosse isso, ansiedade se cura com remédio. Não é recomendado a pacientes psicóticos. Os sintomas da ansiedade são: tensão, medo, aflição, agonia, intranqüilidade, dificuldades de concentração, irritabilidade, insônia e ou hiperatividade. Os sintomas da ansiedade sou eu. Peguei o vidro e fui para o meu quarto. Tomei dois, devia ter pegado água, não é bom tomar remédio com fanta. Deitei e dormi.

Acordei, era outra pessoa. E continuava invisível.


(Jorge Furtado)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Vontade.


Não me interpretem mal, mas é que hoje eu amanheci com uma vontade não cumprida. Como uma criança que faz birra e até chora por não conseguir ir ao parque de diversões ou ficar mais alguns minutos no vídeo game. Eu sei que querer não é poder. Sempre há uma série de fatores para que tudo se realize. Até mesmo o alinhamento dos planetas interfere no que deve ou não acontecer. Ah!Como eu queria acreditar de verdade nesse lance de astrologia. Falando sobre vontade hoje compreendi por que é que alguns humanos comem (literalmente) outros humanos, os famosos canibais. O fato é que a única forma de realmente possuírem uma pessoa para sempre, eles é que são espertos. Eu aqui na vontade de ter, de ser e de possuir. Trata-se de entregar-se a outro como se entrega ao mar numa espécie de corpo a corpo, embora eles o façam com grandes caldeirões e legumes. (Um pouco de desenho animado meus senhores). Esse é o momento em que a orquestra toca e ouvem-se risinhos e frases abafadas do tipo “Que absurdo! Olhe só o que essa garota está dizendo”, no fundo metade de mim diz a mesma coisa, a outra metade diz que como mais um texto ele não vai ser bem interpretado.Pena que a gente não vive numa sociedade canibal. Confesso,estou me despedindo da vontade, é tarde da noite e cá estou acumulando histórias pra contar.

domingo, 1 de março de 2009

Sinopse do dia.


O galo não canta... mas eu acordo. Pego a xícara, quebro-a ao meio. Água fria no banho pra levantar os ânimos. Dou um “bom dia”exagerado.

Corro contra o tempo. Visto o jeans e a camiseta amarrotada. Desço as escadas,

entro no carro. Ponho os óculos escuros. Os pneus cantam apressados. Subo as escadas uma a uma.

Falo sozinha. Paro no portão, entro na sala.Vejo a cor desconhecida.Acomodo-me sobre a carteira.

Prendo o cabelo. Respiro fundo e digo: ”Só mais um dia”. Gabarito as questões. Saio

da sala. Sento na rampa. Espero amigos. Abraço, abraço apertado. Observo enquanto o bolo vai embora,

a colher suja, a bagunça e o brigadeiro. Despeço-me. Levo-os até a porta de saída.

Cheiro de churrasquinho (de gato). Abraço, abraço apertado.Hora do lanche.Olhando para os sapatos.

Vou ao banheiro. Fecho a porta para pensar um pouco. Respiro fundo e sigo adiante.

Espero o ônibus. Vejo o sol se por. Vejo a alegria se por.Caminho devagar e quase

parando.Desço a avenida.Vejo um casal de velhinhos.Um menino com fome.Ando,ando com pressa.

Observo o cemitério.Cheiro de velas acesas.Sigo reto e não olho pra trás.Paro.Olho o carro sem borboletas.Chamo atenção.Bato palmas.Perfume característico.Vejo se tem alguém

em casa e tem sim.”Só um minutinho”.Cachorro latindo.Bebê chorando.Abraço,abraço forte.

Risos.Conversa engraçada.Piadas.Apresentações.Despedida.Corredor escuro.Portãoaberto.Algumas palavras.Coisas que faziam falta.Choro de sempre.Abraço,abraço apertado.

”Bom te ver,se cuida”.