quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

História sem fim

Ela se balançava na cadeira, naquela de cor antiga e com peças enferrujadas.

Tinha cara de quem pouco viveu, de gente sofrida, marcada a ferro e fogo.

Eu logo fui me compadecendo. Tenho dessas coisas. Identifico-me ao longe com pessoas mal-amadas, solitárias e cheia de traumas. Parece que havia algo nela que falta em mim, ou vice-versa.

Permaneci assim por alguns minutos. Ela sorriu um sorriso meigo e cheio de dentes amarelos, mexeu as trancinhas do cabelo e se levantou num salto só.

Caminhou em minha direção, deu seus pequenos passos de menina levada, sentou ao meu lado na calçada da casa. Ficamos lá, ambas sem dizer uma palavra. Encarávamos o céu como quem espera chuva ou uma nave alienígena.

Ela lembrava minha infância. Respirava fundo pelo nariz. Tinha os cotovelos arranhados de tanto apostar corrida no meio fio. Cicatriz no joelho, possivelmente de queda de bicicleta. Usava sapatos fechados, daqueles que se usam em dia de missa. Carregava uma boneca descabelada na mão direita. Barra do vestido recém descosturado.

Na calçada, naquela de tijolos amarelos, a gente se observava. Eu sentia como se estivesse sendo lida, como se ela pudesse escutar tudo o que eu pensava, se é que eu pensava em alguma coisa naquele momento, era como se estivesse nua, eu não podia mais guardar os meus segredos. E talvez não precisasse, ela sorria como se entendesse cada um deles. Pegou a minha mão com aqueles pequenos dedos, deu seu aperto de criança (como que para me dizer que estava presente) e desapareceu como um amigo imaginário.

Até hoje não sei dizer quem era, talvez fosse a morte querendo dizer que ainda não chegara a minha vez. Talvez fosse mais uma dessas alucinações que tenho quando não durmo há dias, ou quem sabe fosse mesmo ela, Alice.

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