segunda-feira, 6 de julho de 2009

Ela vem subindo a rua



Foi subindo sem pressa a ladeira. O vento desfazia o penteado que ela levara alguns minutos para arrumar, era o vento que trazia as cinzas do verão passado (daquele que lhe marcara profundamente a ferro e fogo), era a brisa que não lhe dava conforto, que arrancava com força o abraço que espantava verdugos. O vento retornava balançado o cabelo, sem pedir autorização enquanto ela subia em direção a um lugar que ainda não sabia o nome.Ela sempre dizia:"Maldita fúria dos deuses". Durante algum tempo o vento parava e ela só podia ouvir os gritos que saiam do lado direito do peito (já que o esquerdo estava muito ocupado). Aproximadamente às seis da tarde quando os demônios povoavam-lhe a mente, ela pedia colo (implorava, pra ser exata), de qualquer um, fosse quem fosse que espantasse de uma vez por todas aquele medo que lhe arrancava o brilho dos olhos. Enquanto pensava assim sentia-se como louca, queria voltar para uma casa que ela não tinha e não sabia até que ponto estaria assim.

Continuou andando sem direção, fizera questão de não recordar o caminho. Não, não estava alucinada (disso ela não gostava de se meter), bastavam os poucos amigos que tinha para que ela se sentisse possuída de euforia e vida. Vagando naquela linha (nada tênue) de pensamento acabou tropeçando num senhor estirado na calçada. Maltrapilho, com chinelos velhos e bancos de papelão. Ele segurava uma xícara de café (ganhada de um bom samaritano que por ali passara). O velho balbuciou algumas palavras, não estava embriagado, mas ela não entendia o que dizia, talvez porque estava compenetrada nos olhos, brilhantes como labareda de fogo, que lhe diziam algo sem que o senhor precisasse abrir a boca. Ambos permaneciam em silêncio, ele tinha cara de doador de abraços e colos e ela talvez possuísse o que ele precisava.

-Quer café?- disse ele

Ela teve um sorriso. Continuo encarando-o, maltrapilho, com cabelos grisalhos. Apertou-lhe a mãe vigorosa e tirou da sacola o que ele supostamente queria. Sanduíche de mortadela, puro e simples.

Acendeu um cigarro, os velhos demônios estavam calados dentro dela e pela primeira vez em muitos meses o vento desviara o seu percurso.

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